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Candeia que vai à frente alumia duas vezes

"Candeia que vai à frente alumia duas vezes" é uma expressão muito popular no léxico dos portugueses.

Candeia que vai à frente alumia duas vezes


O que significa "Candeia que vai à frente alumia duas vezes"?

Encontrei, na literatura sobre provérbios e ditos populares, dois significados relativamente diferentes.

No Dicionário de Provérbios de Roberto Cortes de Lacerda, Helena R. Cortes de Lacerda e Estela dos Santos Abreu, que referem este provérbio e um outro de grafia e significado muito próximos – «a candeia que vai adiante é que alumia» –, considera-se que o significam que, em vida, não se deve deixar nada por fazer. 

No entanto, no significado proposto por Madeira Grilo, em Dicionário de Provérbios, o significado é o seguinte: «Se caminharmos na dianteira de alguém, temos melhores possibilidades de atingirmos a nossa meta.» 

É ainda possível entender este provérbio de outro modo: assim como a candeia ilumina o caminho para a pessoa que a segura e para aqueles que a acompanham, também o espírito empreendedor de uns contribui para o proveito de muitos outros.


Mas, sem dúvida, a melhor exposição sobre este significado foi uma análise em forma de comentário que encontrei num site que nada tem a ver com provérbios. 

Com os devidos créditos atribuídos a Jacinto, de Setúbal, passo a transcrever a sua explicação:

A candeia que vai à frente alumia duas vezes porque alumia o caminho à pessoa que a leva e à pessoa que vai atrás. Se fosse a pessoa de trás que levasse a candeia, já não iluminaria o caminho à da frente.


É claro que usado literalmente o provérbio não teria interesse nenhum — duas pessoas caminhando na escuridão jamais se lembrariam de ser a de trás a levar a luz. Pelo que objetivo do provérbio deve ter sido, não ser aplicado literalmente, mas ilustrar um ensinamento para aplicar noutras situações.


Aqui em Portugal, ouço o provérbio só muito raramente e também nunca compreendi claramente qual seria esse ensinamento. Então fui em busca das primeiras ocorrências escritas (reproduzo algumas abaixo), e durante o século XIX o provérbio parece ser usado para justificar agir cedo ou mesmo antecipadamente. Parece haver uma transposição do sentido literal espacial para um sentido temporal: tal como a candeia é mais proveitosa se for adiantada no espaço, certas ações são mais proveitosas se forem adiantadas no tempo. Muitas vezes a ideia é fazer a coisa agora, que já fica feita e mais tarde pode não voltar a haver oportunidade; ou fazer a pessoa interessada a coisa logo que possa, em vez de esperar que outro a faça mais tarde.


Neste exemplo de 1840, o mais antigo que encontrei, Margarida aconselha Emília a precaver-se (ou vingar-se) mandando matar certo tipo, em vez de esperar que Deus a vingue. Emília escandaliza-se (grafia original; negrito meu em todas as citações):

Em[ília]. Vai, deixa-me: Deos ha de compadecer-se da minha infelicidade, elle me vingará.

Marg[arida]. Quem espera çapatos de defuncto, toda a vida anda descalço.

Em. Que? duvídas da Providencia de Deos?

Marg. Pelo contrário; mas candea que vai adiante alumia duas vezes — fia-te na virgem, e não corras, e verás a sova que mamas.

Barbeiro dos Pobres, O sino das duas horas, comedia original em cinco actos, Porto, 1840

 

 Neste exemplo de 1842, o provérbio vem na sequência de principiis obsta, ’obsta no princípio’, ou seja, “atacar o mal logo no princípio” (Priberam). Um tipo apanhou chuva, e Michaela oferece-lhe sapatos secos:

— Sem incommodo, tia Michaela, sem incommodo; eu não trago os pés molhados.

— Não importa, Sr. mestre, não importa: eu bem sei o que faço. Livra-te dos ares, livrar-te-ei dos males; e, segundo diz o dictado, mais vêem quatro olhos que dous. Principiis obsta, dizia meu marido de gloriosa memoria. Mestre, candeia que vai a diante alumia duas vezes.

“Variedades. Uma hora com a tia Michaela”, Sentinella da Monarchia, Rio de Janeiro, 5-3-1842


Nestoutro exemplo, um periódico noticia a morte de Alexandre Magno de Castilho, e este responde-lhes assegurando que ainda está vivo e mostrando aprovação por orações antecipadas pela sua alma:

«Que isso não obste a que os bons christãos se empenhem com Deus pela boa sorte da minha alma, pois candeia que vae adiante alumia duas vezes.

Archivo Universal, 1860, Lisboa


Aparentemente os Castilhos gostavam deste provérbio. Temos aqui o irmão do anterior, num uso claramente sarcástico:

[…] V. S., que, mesmo sem conhecer a argumentação contraria, já vai achando materia para antecipadamente a verberar. Faz bem: Candeia que vai adiante, alumia duas vezes.

José Feliciano de Castilho, “Litteratura. Cartas”, Constitucional, Rio de Janeiro, 11-1-1863


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